02 julho 2010

Enfermaria n°6 - Tchekhov

Além do estado sempre tenso e das caretas, a sua loucura expressa-se pelo seguinte. Às vezes, ao anoitecer, fecha bem o seu roupãozinho e, tremendo com todo o corpo, batendo os dentes, põe-se a caminhar depressa de um canto a outro e entre as camas. É como se tivesse uma febre intensa. Pela maneira com que se detém de repente e lança um olhar aos companheiros, vê-se que deseja dizer algo muito importante, mas, considerando provavelmente que não vão ouvi-lo, ou que não o compreenderão, sacode impaciente a cabeça e continua a caminhada. Logo, porém, o desejo de falar sobrepuja a caminhada. Logo, porém, o desejo de falar sobrepuja todas as considerações, ele se concede liberdade, passando a discorrer calorosa e apaixonadamente. A sua fala é desordenada, febril, como num delírio, por arrancos e nem sempre compreensível, mas, em compensação, percebe-se nela, tanto na voz como nas palavras, algo extraordinariamente bom. Quando fala, você reconhece nele o louco e, ao mesmo tempo, a pessoa humana. É difícil transmitir no papel a sua fala demente. Ele trata da ignomínia dos homens, da coação, que oprime a verdade, da existência bela que, dentro de algum tempo, existirá sobre a terra, das grades nas janelas, que lhe recordam a todo o momento o espírito embotado e as crueldades dos opressores. Resulta disso uma sucessão desordenada, desconexa, de velhas canções que ainda não foram cantadas até o fim.

Enfermaria n°6 - Tchekhov

3 comentários:

Fabio Rocha disse...

Isso que é escrever... Caraca...

Leoncio disse...

Ivan Dmitritch primeiro pensou que o estavam perseguindo, e depois, eles começaram a perseguí-lo.

A loucura também é contagiosa.

O empírico disse...

Tento sempre transmitir pro papel a minha fala demente...


ótimo texto...